CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VYGOTSKI PARA
A EDUCAÇÃO
Asseguro que
não é possível dar um caráter pragmático à teoria. Afinal, discorrendo-se em
educação, alguém pode conhecer intimamente uma série de teorias pedagógicas, e,
no entanto não ser um bom professor. Do mesmo modo todos nós conhecemos
professores que não conhecem teorias, que atuam muito mais por instinto e são
extraordinários na sala de aula.
O problema é
que intuição não abona profissionalismo. Uma coisa é saber empregar
metodologias didáticas adequadamente, outra é ter discernimentos claros e
precisos que nos ajudem a avaliar e a eleger os procedimentos a serem empregados
e igualmente a fazer escolhas referentes à sua adaptação.
Mas a
constituição desses critérios não é algo que ocorre da noite para o dia, nem
provoca transformações imediatas na nossa prática.
É neste
sentido que a teoria não tem um emprego pragmático. Ou seja, não tem como
instruir alguém a ser construtivista em um curso de 08 horas, do modo que ele
saia dali como um professor radicalmente diferente, extrapolando todas suas
carências de formação e todos seus vícios neuróticos que assinalam seu jeito de
se relacionar na sala de aula.
As duas
teorias, que são foco deste curso, têm ainda uma característica peculiar: não
são teorias pedagógicas. Embora exerçam enorme influência na prática pedagógica
no mundo inteiro, sua aplicação está longe de ser imediata.
Vygotski tem certa
vantagem em relação a Piaget, pelo fato de ter delineado uma teoria
psicológica, e há muito tempo a psicologia tem sido um dos temas de apoio da
pedagogia. Às vezes até mesmo tornando-se quase que o núcleo do pensamento
pedagógico.
Já a teoria
de Piaget não pode ser vista como uma teoria psicológica, pelo menos não no
sentido usual que damos à Psicologia. A ansiedade de Piaget era epistemológica,
ou seja, esclarecer como pode se produzir o conhecimento científico e as
ciências.
Para chegar a
isso Piaget teve de fazer um caminho pela Psicologia, já que a sugestão dele
era de uma Epistemologia científica, fundamentada em pesquisas experimentais e
não em reflexões filosóficas. Por isso a escolha por fazer uma Epistemologia
Genética.
Por outro
lado Piaget leva uma vantagem sobre Vygotski por ter estabelecido uma teoria
muito concreta, baseada em estudos realizados durante, aproximadamente, 50
anos. Tendo tido o período que Vygotski não teve, e sem a repreensão que este
teve, para fazer as correções de rumo e construir um "edifício teórico"
admirável.
Se essas
teorias não são pedagógicas. Se as teorias, principalmente aquelas que se
relacionam indiretamente com nossa prática, não têm proveito, então para
que conhecê-las?
Costumo expor
que uma teoria é como um par de óculos. Por se tratar de uma tentativa de
esclarecimento da realidade nos faz enxergar de modo diferente essa realidade.
O diferencial
dessas duas teorias em relação a outras tantas que foram consagradas nos meios
pedagógicos é que se versam de compreensões dialéticas. Ou seja, as duas buscam
extrapolar a visão linear que destaca o processo de desenvolvimento, ou mesmo
de aprendizagem do sujeito, de fora para dentro ou de dentro para fora.
Isso quer
dizer que são teorias interacionistas.
Alguém poderá
estar se indagando se não estou distorcendo, afinal é costume falar-se que
Vygotski é interacionista, enquanto que Piaget é construtivista. Trata-se neste
caso de uma facilitação feita pelos marcadores de plantão que necessitam
estar o tempo todo rotulando as teorias, as propostas, as políticas, e que às
vezes nem sequer conhecem direito o que estão a marcar.
Verdadeiramente
Piaget deu destaque em seus estudos ao caráter construtivo, ou seja, das
constituições efetivadas pelo sujeito. Já Vygotski deu destaque aos processos
de trocas, ou seja, de intercâmbio do sujeito com seu meio, especialmente seu
meio social e cultural.
A apreensão
da realidade de forma dialética (interacionista) nos demanda compreender que
não se pode ficar buscando o vencedor na batalha entre o que é de dentro e o
que é de fora. É por isso que Piaget indica outro questionamento que é como
o de dentro e os de fora se relacionam.
Por isso que
não apresenta nada de construtivista (muito menos de interacionista) a prática
pedagógica que se funda em "permitir que o aluno construa sozinho, sem
intermédio do professor". Deste modo como não tem nada de construtivista
aquele que quer fazer com que os alunos se tornem alfabéticos até o final do
bimestre, como se ficasse possível dominar-se a aprendizagem desses alunos.
Acredito que
as contribuições dessas teorias para a prática pedagógica passam
fundamentalmente pela possibilidade de se abranger melhor a dinâmica dos
processos que incidem no ato de ensinar/aprender.
É neste
significado que podemos imaginar a ajuda da teoria piagetiana, em primeiro
lugar (em ordem temporal de ocorrência na educação e não em ordem de importância)
a apreensão dos estágios do desenvolvimento cognitivo.
Piaget faz um
esclarecimento subentendido de que a criança raciocina de modo desigual do
adulto, explicando, de modo inclusivo, as estruturas de conjunto que
diferenciam cada estágio, possibilitando que se possa apreender melhor como a
criança pensa, sem fazer dela um adulto em miniatura, nem reduzi-la à categoria
de um bichinho que necessita ser adestrado para se transformar (de fora para
dentro) em um adulto.
Claro que uma
leitura linear dessa teorização a respeito dos estágios fez com que se cometessem
declarações incoerentes com a concepção piagetiana, como por exemplo, o que se
pregou por muito tempo, de que não se pode educar a criança nem além nem abaixo
do estágio em que ela está.
Transformava-se,
deste modo, os estágios em uma camisa de força. Este tipo de declaração não
considera a concepção dialética que tem como embasamento a dinamicidade dos
procedimentos e que a criança, ou o aprendiz vai movimentar-se com as
estruturas antecipadamente construídas por ele para compreender o novo, até
mesmo, resgatando processos mais primitivos, se for o caso, mas por outro lado,
se esse conhecimento ensinado não for de certo jeito além das competências do
aluno, ele não ficará provocado a construir novas estruturas.
Quanto mais
estudo Piaget, Vygotski, Paulo Freire e outros, e quanto mais discuto e
converso com professores que estão no dia-a-dia da escola, lutando para que
seus alunos não se tornem simplesmente repetidores de matéria, mas que aprendam
a lidar melhor com o mundo (e não serem lidados pelo mundo) empregando os
conteúdos ensinados na escola, mais me convenço de que o núcleo do trabalho
educativo devem ser as relações e não os conteúdos.
Não estou
expondo que os conteúdos não sejam importantes, mas a possibilidade da
construção de conhecimentos novos está no estabelecimento de relações sobre
relações ou coordenações sobre coordenações, o nosso aluno só poderá compreender
o que lhe ensinamos se oferecermos oportunidade para que ele estabeleça
relações diferentes (muito mais do que aquelas poucas que nós como professores
podemos preparar para que ele faça) dos diversos aspectos que compõe o conteúdo
e do conteúdo com outros conteúdos e circunstâncias.
Afinal, como
Piaget confirma bem, por meio de conceitos como o da implicação significante,
que são as relações que nos possibilitam dar significação. E essa significação
esta sujeito, portanto, das atuações que o sujeito executa que são na verdade
interações e não somente da significação assinalada pelos outros que o rodeiam.
Para terminar
quero reforçar a ideia de que as teorias de Piaget e de Vygotski vão ser
extraordinárias para a educação à medida que nos auxiliarem a ver de modo
diferente os fenômenos que envolvem a mesma.
Elas não são
de forma alguma a panaceia dos problemas da educação. No entanto não creio em
nenhum caminho que se possa trilhar na educação, desde a Psicopedagogia, até a
gestão escolar que não parta de princípios dialéticos, que apreenda que a realidade
não é explicável a partir de um traçado simples de causa/efeito ou antes/depois,
mas sim de uma apreensão de que essa realidade se forma como rede de
relações, e que, portanto, toda ação necessita ter presente que não terá
condições de mudar tudo, mas que não deixará de dar sua marca.
É neste
significado que se faz necessário procurar um complemento para os apoios desses
dois mestres do século XX, em outros não menos brilhantes como Freud e Paulo
Freire, bem como em tantos outros que nos acendem a esperança de uma apreensão
dialética dos fatos educacionais.
No processo ensino-aprendizagem compete ao professor
como mediador interagir com seu aluno: explorando a sua Zona Desenvolvimento
Proximal, as funções mentais superiores e a linguagem. A educação se concretizará quando professor e aluno compartilharem
significados, isto é, o desenvolvimento aguardado do pensamento
elaborado.
Nossa
procura, que a meu ver deveria se tornar missão, é a de beneficiar, sempre, a conservação
da paz, compreendendo que o uso de valores éticos, da criatividade, das
vivências e da reflexão constante de nossas atitudes pode levar cada um de nós
a compreender os questionamentos de cada um como indivíduo.
Criando
harmonia e significado para construção de um novo tempo é uma luta que devemos
divulgar em nosso atuar, em nosso fazer, em nosso ser, estar num mundo em
complexa interdependência.
Criar
harmonia e sentido para construção de um novo tempo só será possível quando
re-significarmos nossas vivências e compreendermos que é possível encarar as
heterogeneidades com atitudes menos egoístas e mais altruístas.
É preciso
procurar o encontro com o outro numa perspectiva de alegria, fé, esperança,
renovação da própria vida.
Só assim,
outro mundo será efetivamente possível.
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