HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
SOUZA, Vera Lúcia Pereira de[1]
A história da atenção à pessoa com deficiência tem se diferenciado pela segregação, seguida pela conseqüente e gradativa exclusão, sob díspares contextos, dependendo do período histórico focalizado.
No transcorrer da História da Humanidade foram se diversificando a visão e a concepção que as diferentes sociedades tinham acerca da pessoa com deficiência.
A forma de discorrer e por conseqüência a forma de atuar com relação à pessoa com deficiência enquanto fato e à pessoa com necessidades educacionais especiais enquanto ser, modificaram-se no transcorrer do tempo e das condições sócio-históricas.
Na antiguidade, que é a etapa do extermínio, na Roma e Grécia Antiga, não existem dados objetivos sobre a relação entre a sociedade e a pessoa com deficiência. A pessoa diferente, com restrições funcionais e necessidades individualizadas, era praticamente exterminada por meio do abandono, o que não importava um problema de caráter ético ou moral. (CARVALHO e TURECK, 2006).
Na idade média, etapa da filantropia, com aparecimento do cristianismo e conseqüente constituição e fortalecimento da Igreja Católica passar a existir um novo segmento: o clero. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006).
As pessoas doentes, defeituosas e/ou mentalmente comprometidas, de acordo com os conceitos cristãos, não podiam mais ser exterminadas, já que igualmente eram criaturas de Deus. A política vigorante era a de benefícios. Da mesma forma que na antiguidade, alguns permaneciam a ser usados como fonte de entretenimento, como bobos da corte, como material de exposição, e assim por diante. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006).
A educação, nesse período, tinha duas vertentes de objetivos: um de caráter religioso visava formar subsídios para o clero. Outra, caracterizada por objetivos característicos caracterizados, dependendo do local e dos valores assumidos pela sociedade, variando de formação para a guerra, até a formação para as artes.
De criaturas obtiveram à condição de Filhos de Deus. Pessoas adoentadas, defeituosas e/ou mentalmente comprometidas (possivelmente pessoas deficientes físicas, sensoriais e mentais), em função da ascensão dos conceitos cristãos, não mais podiam ser exterminadas, já que igualmente eram pessoas de Deus. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006).
Deste modo, eram visivelmente desconhecidas à própria sorte, dependendo, para sua sobrevivência, da boa vontade e beneficência humana, na melhor condição eram acolhidos em igrejas, conventos, asilos. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006)
Na idade moderna, ocorreram várias mudanças, tanto em termos das composições sociais, políticas e econômicas da sociedade, como nas compreensões filosóficas assumidas na leitura e análise sobre o fato.
No que se refere à deficiência, deu inicio ao surgimento de novos conceitos, concernentes à sua natureza orgânica, produto de origens naturais. Deste modo concebido, passou igualmente a serem abordados por meio da alquimia, da magia e da astrologia, procedimentos da então iniciante medicina, metodologia importante do século XVI. O século XVII foi palco de novos progressos na ciência produzida na área da medicina, o que fortaleceu a tese da organicidade, e ampliou a concepção da deficiência como procedimento natural.
No século XVII, etapa cientifica, denominada tese da organicidade, sendo as ações de tratamento das pessoas com deficiência e tese do desenvolvimento, sendo as ações para as pessoas com deficiência, paradigma da institucionalização.
Na idade contemporânea, com enfoque nos séculos XVIII e XIX, noção de norma e normalidade, tendo como principio norteador, pessoa limitada, mas com potencialidade, capaz, beneficiando um espaço de convivência menos restrito. Começa-se a compreender as probabilidades de aprendizagem da pessoa com deficiência. Desenvolvem-se alternativas para os alunos que, em função de suas necessidades educativas não conseguem se desenvolver no sistema comum de educação. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006)
Nos anos 60 a 80, etapa da integração, marco referencial da consolidação dos movimentos sociais, tendo como princípios normatizadores a individualização, a normalização e a integração da pessoa com deficiência.
No final dos anos 70 e anos 80, consolidação do paradigma da integração. Parecer de um novo modelo de convívio social. Trabalha-se o aluno com deficiência fora do contexto social, depois de preparado, procura-se integrá-lo na sociedade. Logo a sociedade não se transforma.
Nos anos 90, etapa da inclusão, revolução de valores e costumes, respeito a heterogeneidade humana, modificações na estrutura da sociedade e da educação escolar. Escola inclusiva considera a necessidade de todos os alunos, estruturando-se em função destas necessidades. A composição educativa existente deve ser competente para atender a todos, nos seus díspares níveis de ensino. Escola e educação procuram ajuda para trabalhar a diferença, sem tirá-la da convivência social. No século XXI, inclusão, políticas e intervenções cruciais e afirmativas no procedimento de desenvolvimento do sujeito, e reajuste da realidade social. A proposta especifica da inclusão, especialmente em esfera escolar, é a de ultrapassar as circunstâncias de exclusão, reconhecendo os direitos da heterogeneidade e estimulando a participação social pela na sociedade. (IACONO e SILVA, 2006)
O paradigma da institucionalização foi primeiro a caracterizar a relação da sociedade com a parcela da população formada pelas pessoas com deficiência. Conventos e asilos, acompanhado pelos hospitais psiquiátricos, constituíram-se em lugares de confinamento, em vez de lugares para terapêutica das pessoas com deficiência. Na realidade, tais instituições eram, e muitas vezes ainda o são, pouco mais do que prisões. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006).
Diferenciou-se, desde o principio, pela remoção das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e pela manutenção delas em instituições residenciais segregadas, freqüentemente estabelecidas em localidades longínquos de suas famílias.
Em se tratando do termo deficiência, Silva e Silva (2006) citam que:
A concepção da deficiência está relacionada ao caráter biológico do defeito e, portanto, corresponde à deficiência em si mesma (p. ex., a cegueira, a surdez, a deficiência motora). Também é denominada em alguns textos como defeito primário ou deficiência primária. (p. 138)
Apenas no século XX, por volta de 1960, é que o paradigma da institucionalização começou a ser criticamente analisado. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006)
Por outro lado, há que se recomendar que a década de 60 marcou-se, intensa e fortemente, por um procedimento geral de reflexão e de critica sobre os direitos humanos e, mais designadamente, a respeito dos direitos das minorias, principalmente quanto à reformulação de conceitos e a procura de novas pratica no trato de deficiência.
A década de 60 do século XX tornou-se, de tal modo, marcante pela relação da sociedade com a pessoa com necessidades educativas especiais, incluindo às com deficiência. Dois novos conceitos passaram a circular no debate social: normalização e desinstitucionalização. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006)
Ao se separar do paradigma da institucionalização e abraçar as idéias de normalização, criou-se o conceito de integração, que se fazia referência a à necessidade de transformar a pessoa com necessidades educativas especiais, de forma que esta pudesse vir a se assemelhar, o mais aceitável, aos demais cidadãos, para então poder ser inserida, integrada, a convivência em sociedade. Deste modo, integrar expressava encontrar no sujeito o alvo da alteração. A comunidade tinha que se reorganizar para proporcionar às pessoas com necessidades educacionais especiais, os serviços e os recursos de que precisassem para viabilizar as alterações que as tornassem o mais natural possível. Este exemplo de atenção à pessoa com deficiência distinguiu pela oferta de serviços, na maioria das vezes organizada em três etapas: a avaliação, a intervenção e o encaminhamento ou reencaminhamento a comunidade.
A manifestação educacional desse paradigma concretizou-se, desde o principio, nas escolas, nas entidades assistenciais e nos centros de reabilitação.
Se por uma direção o paradigma da institucionalização se conservou sem debate por diversos séculos. O paradigma de serviços, no entanto, começado por volta da década de 60, imediatamente começou a enfrentar criticas, a idéia da normalização começou a perder eficácia. Expandiu-se a discussão sobre o fato de a pessoa com necessidades educacionais especiais ser um cidadão como qualquer outro, possuidor dos mesmos direitos de determinação e de uso dos ensejos disponíveis na sociedade, independentemente do tipo de deficiência e do grau de comprometimento que apresentem. (CARVALHO, ROCHA e SILVA, 2006)
O paradigma de suporte foi baseado na idéia de que compete à sociedade se reorganizar de forma a garantir o ingresso de todos os cidadãos (até mesmo os que apresentam uma deficiência) a tudo o que a constitui e caracteriza independentemente das particularidades pessoais.
De maneira geral, admiti-se que pessoas com deficiência precisam sim, de serviços de avaliação e de habilitação proporcionados no contexto de suas comunidades. Porém, ao mesmo tempo, que estas não são as únicas providencia necessário, caso a sociedade anseie manter com essa parcela de seus constituintes uma relação de consideração, de honestidade e de justiça.
Os suportes podem ser de diversos tipos (social, econômico, físico, instrumental) e apresentam como papel favorecer a construção de um processo que se passou a designar inclusão social.
Segundo Silva e Silva (2006):
Também é de fundamental importância ter clareza de que para concretizar o processo de inclusão no ensino regular, promover o desenvolvimento educacional e, conseqüentemente a maior participação social da pessoa com deficiência, é imprescindível investir em pesquisa, em recursos materiais e em tecnologias, bem como na formação continuada de professores para, enfim, propiciar as melhores condições possíveis no atendimento aos alunos com deficiência. (p. 142-143)
A inclusão social não é uma metodologia que abrange exclusivamente um lado, mas sim um procedimento bidirecional, que abrange atuações junto à pessoa com necessidades educacionais especiais e ações junto à sociedade. O conceito da inclusão prevê interferências determinantes e afirmativas, tanto no procedimento de desenvolvimento do sujeito, quanto no processo de reajuste do fato social.
Carvalho e Tureck (2006) citam que:
É extremamente relevante, ao refletir-se quanto à possibilidade de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade de forma geral, compreender que sua inclusão é irrestrita, uma vez que todos estes, de uma forma ou de outra, subsistem nesta sociedade e sua condição de inclusão plena no mercado produtivo não é potencializada por não interessarem enquanto mão-de-obra para extração da mais valia. Apesar de alguns casos, em áreas especificas da produção industrial, essas pessoas serem muito bem aproveitados, como por exemplo, a área da deficiência auditiva, havendo uma verticalização do aproveitamento destes em atribuições que necessitam da utilização das mãos, como nas linhas de produção dos frigoríficos, obviamente com demérito para as demais áreas de deficiências (visual, física e mental). Este fenômeno não existe face à bondade de empresários, assim como a exclusão de maneira geral não ocorre por posturas diabólicas, e sim, pela busca da maior extração de mais valia, isenta de qualquer emoção. (p. 83).
Em todos os momentos da história da humanidade, o procedimento educacional esteve conexo à necessidade social, instrumentalizado pela norma econômica. Nas sociedades primitivas, a regra econômica estava fundamentada na agricultura, do mesmo modo como na Roma Arcaica a necessidade econômica estava pautada ao desenvolvimento agrícola. Nesses princípios, a identidade do sujeito passava pelo conceito de que ele necessitaria ser preparado para ser um combatente. Neles, a instituição responsável pelo procedimento de instrução era a família e o papel valorizado pela sociedade e pela civilização era o papel social do combatente. Dessa forma, a preparação dos meninos para batalha passava pelo emprego dos jogos que simulavam as ocorrências vividas na realidade.
Na Idade Média, os filhos passaram a sair de suas habitações para serem ensinados nas casas de diferentes famílias. Naquele período, acreditava-se que a afeição poderia intervir de caráter negativo no procedimento educativo e o ensino passou a ser feito à distância para que o aspecto emocional não afetasse o preparo dos combatentes. Os jovens estudavam, assim tanto a cumprirem tarefas caseiras quanto sobre as próprias relações de produção da sociedade. A religião, na figura da Igreja, era a instituição que controlava as regras sociais, determinava as normas da ética e da instrução. (CARVALHO e TURECK, 2006).
Na Idade Moderna, com o advento da Revolução Industrial, houve um procedimento de abertura do procedimento artesanal com o advento das maquinas. Sucedeu um colapso social e a conseqüente ida de várias famílias para as ruas. Instituíram as workhouses (casa de trabalho) para coletar esses indivíduos e constituir elementos uteis ao Estado. A necessidade pedagógica era a de homens que trabalhassem sem refletir. A procura pela ética do individuo foi substituída pelo ideal da disciplina. Era preciso dominar o caráter dos sujeitos, por meio da educação do seu corpo, com o intento de abastecer ao sistema econômico sujeitos disciplinados e, conseqüentemente, produtivos. Da mesma forma, as crianças eram ambicionadas como mão-de-obra barata e precisavam ser disciplinadas para que agüentassem longas horas de trabalho. O instrumento conveniente que estava à disposição dessa regra era a escola, que adotou esse papel social de disciplina. Passou-se, deste modo de um sistema social de auto-instrução por meio da família para a escolarização, com a autoridade do Estado. (CARVALHO e TURECK, 2006)
Assim, Carvalho e Orso (2006) argumentam que:
Ao longo da existência humana, os homens, através das constantes lutas para produzir os meios de vida, vêm vivenciando diferentes formas de organização social. A forma de propriedade dos meios de produção e a relação de trabalho existente, caracterizam os períodos históricos. Com o estabelecimento das sociedades classistas, a história da humanidade passou a ser determinada a partir do desenvolvimento das contradições entre as antagônicas classes, presentes em cada modo de produção. (p 157).
Na realidade educativa brasileira, ainda permanecem inúmeros obstáculos com respeito ao acolhimento da diversidade. Do ponto de vista teórico e de experimentos de praticas pedagógicas, como em outros países, a aceitação desse fato social ao mesmo tempo é problemática.
Resta ainda uma ultima consideração. A escassa produção cientifica na área dos movimentos sociais das pessoas com deficiência, bem como a dificuldade de acesso ao material produzido, sobretudo às fontes primárias, principalmente no período entre o final de década de 1970 e meados de 1980 – fase do alvorecer do movimento no Brasil – que requer um estudo de maior fôlego e abrangência, com maior profundidade e rigor metodológico. As lutas sociais de maior ou menor abrangência, as polemicas que envolveram o movimento, as disputas de concepções ou mesmo políticas, as razoes que levaram ao fim da Coalizão e mais tantos outros elementos e fatos daquele período histórico precisam ser recuperados e trazidos à luz, de preferência pelos próprios sujeitos que fizeram parte e ajudaram a escrever, ou melhor, a fazer, na realidade objetiva, com as condições materiais concretas, um marco importante na vida de uma parcela significativa das pessoas com deficiência no Brasil. ( ROSA e BORBA, p. 213).
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Alfredo Roberto de: ORSO, Paulino José. As pessoas com deficiência e a lógica da organização do trabalho na sociedade capitalista. In: Programa Institucional de ações relativas às pessoas com necessidades especiais - PEE (org). A pessoa com deficiência na sociedade contemporânea: problematizando o debate. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. p. 155 – 179.
CARVALHO, Alfredo Roberto de: ROCHA, Jomar Vieira da: SILVA, Vera Lúcia Ruiz Rodrigues da. Pessoa com deficiência na história: modelos de tratamento e compreensão. In: Programa Institucional de ações relativas às pessoas com necessidades especiais - PEE (org). Pessoa com deficiência: aspectos teóricos e práticos. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. p. 15 – 56.
CARVALHO, José Roberto: TURECK, Lucia Terezinha Zanato. Algumas reflexões sobre a inclusão escolar de alunos com deficiência. In: Programa Institucional de ações relativas às pessoas com necessidades especiais - PEE (org). A pessoa com deficiência na sociedade contemporânea: problematizando o debate. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. p. 63 – 89.
IACONO, Jane Peruzo: SILVA, Luzia Alves da. Reflexões sobre a política de formação de professores para a educação inclusiva. In: Programa Institucional de ações relativas às pessoas com necessidades especiais - PEE (org). A pessoa com deficiência na sociedade contemporânea: problematizando o debate. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. p. 91 – 116.
ROSA, Enio Rodrigues da: BORBA, Vandiana. Apontamento sobre o movimento social das pessoas com deficiência no Brasil. In: Programa Institucional de ações relativas às pessoas com necessidades especiais - PEE (org). A pessoa com deficiência na sociedade contemporânea: problematizando o debate. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. p. 181 – 213.
SILVA, Dorisvaldo Rodrigues: SILVA, Vera Lucia Ruiz Rodrigues da. O uso da informática como um instrumento de apoio no processo educacional de pessoas com deficiência visual e deficiência física/motora. In: Programa Institucional de ações relativas às pessoas com necessidades especiais - PEE (org). A pessoa com deficiência na sociedade contemporânea: problematizando o debate. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. p. 117 – 153.
[1] Professora PDE/2009 – Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola com o Título: Educação Profissional para Alunos com Deficiência Intelectual Significativa
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